quarta-feira, 2 de maio de 2012

Informativo 662 STF - Comunidades dos quilombos e decreto autônomo



INFORMATIVO 662 STF - 16 a 20 de abril de 2012 
 
Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 1

O Plenário iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada, pelo Partido Democrata - DEM, contra o Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do ADCT (“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”). O Min. Cezar Peluso, Presidente e relator, preliminarmente, conheceu da demanda. Rememorou jurisprudência da Corte, segundo a qual a aferição de constitucionalidade dos decretos, na via da ação direta, só seria vedada quando estes se adstringissem ao papel secundário de regulamentar normas legais, cuja inobservância ensejasse apenas conflito resolúvel no campo da legalidade. Ocorre que o caso cuidaria de decreto autônomo, de maneira que o ato normativo credenciar-se-ia ao controle concentrado de constitucionalidade. Observou que o decreto impugnado não extrairia fundamento de validade das Leis 7.668/88 e 9.649/98, motivo pelo qual não lhe seria aplicável o art. 84, VI, da CF [“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: ... VI - dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos”]. Demonstrou que a primeira lei autorizaria o Poder Executivo a constituir a Fundação Cultural Palmares e determinaria apenas o que a esta competiria. A segunda, por sua vez, estabeleceria as atribuições do Ministério da Cultura, dentre elas a de aprovar a delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como fixar suas demarcações, a serem homologadas mediante decreto. Concluiu, no ponto, que ambas as leis limitar-se-iam à mera indicação dos órgãos encarregados das medidas indispensáveis à execução do art. 68 do ADCT. Ademais, registrou que, a despeito de diversos pedidos para realização de audiência pública, não identificara razões que a justificassem, visto que a causa encerraria matéria de direito. Além disso, os autos estariam suficientemente instruídos e não haveria tema a envolver complexidade técnica.
ADI 3239/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.4.2012.(ADI-3239)

Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 2

No mérito, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do decreto em discussão. Aduziu que, independentemente de o art. 68 do ADCT constituir norma de eficácia limitada, contida ou plena, deveria ser complementado por lei em sentido formal. Acrescentou que a Administração não poderia, sem lei, impor obrigações a terceiros ou restringir-lhes direitos. Ressurtiu, assim, que o Chefe do Executivo não estaria autorizado a integrar normativamente os comandos do referido art. 68 mediante regulamento, como o fizera. Frisou que o Decreto 4.887/2003 revogara o Decreto 3.239/2001 o qual, sob pretexto de reger a matéria, padeceria do mesmo vício formal. Desse modo, não concedeu efeitos repristinatórios à norma revogada. Consignou que, embora louvável o ideal de proteção aos descendentes dos quilombolas, não se poderia ignorar o crescimento dos conflitos agrários e o incitamento à revolta que a usurpação de direitos, decorrente do decreto discutido, poderia trazer.
ADI 3239/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.4.2012. (ADI-3239)
Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 3

Discorreu acerca da evolução do quadro normativo ulterior ao art. 68 do ADCT, nos âmbitos federal, estadual, municipal e internacional. Estabeleceu, também, as premissas extraídas do mesmo artigo. Quanto aos destinatários da norma, afirmou serem os que subsistiriam nos locais tradicionalmente conhecidos como quilombos, na sua acepção histórica, em 5 de outubro de 1988, ou seja, aqueles que, tendo buscado abrigo nesses locais, antes ou logo após a abolição, lá permaneceram até a promulgação da CF/88. Anotou não se dever emprestar rigor às situações que se constituíram depois do mês da abolição, dadas as dificuldades de comunicação que marcavam aquele século. No tocante à expressão “quilombos”, avaliou que o termo admitiria muitos significados, determinados por diversos fatores. Entretanto, elucidou que, identificados os requisitos temporais, o constituinte optara pela concepção histórica, conhecida por todos. Assim, afirmou que respeitáveis trabalhos desenvolvidos por juristas e antropólogos, na tentativa de ampliar e modernizar o conceito, teriam natureza metajurídica. Por isso, não seriam comprometidos com o sentido apreendido do texto constitucional. Ocorre que não estariam contidos por limitações de nenhuma sorte, impostas, por outro lado, pelo legislador constituinte. Enfatizou que, por esta razão, o art. 68 alcançaria apenas determinada categoria de pessoas, identificadas como “quilombolas”. Dessumiu que os destinatários da norma não seriam, necessariamente, as comunidades, tendo em conta debate a respeito da sua redação, se referente a “comunidades negras remanescentes dos quilombos” ou “aos remanescentes das comunidades dos quilombos”, como prevalecera. Concluiu, no ponto, que a preterição de um texto e a eleição de outro firmariam o sentido individual, de modo que não se justificaria gravar a propriedade com os atributos da impenhorabilidade, imprescritibilidade e inalienabilidade. A partir dessa análise, reputou inconstitucionais os dispositivos da norma adversada que estabeleceriam: a) o critério da auto-atribuição e autodefinição, para caracterizar quem seriam os remanescentes das comunidades de quilombolas; b) a fixação de que seriam as terras ocupadas por remanescentes todas aquelas utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural (ocupação presumida); e c) a outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades de remanescentes, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade.ADI 3239/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.4.2012. (ADI-3239)
Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 4

Relativamente à posse de que cuida o art. 68 do ADCT, asseverou ser reconhecida aos remanescentes das comunidades de quilombolas, de forma contínua, prolongada, centenária, exercida com ânimo de dono e qualificada. No que concerne à propriedade, declarou definitiva aos remanescentes dessas comunidades, com base em direito subjetivo preexistente, com o objetivo de conferir-lhes a segurança jurídica que antes não possuíam. Ao Estado caberia, apenas, a emissão dos títulos respectivos, para posterior registro em cartório. Reconheceu que essa forma de aquisição seria próxima do instituto da usucapião, cujas singularidades seriam: a) característica não prospectiva, no que respeita ao termo inicial da posse, necessariamente anterior à promulgação da CF/88; b) autorização especial do constituinte originário para que os destinatários da norma pudessem usucapir imóveis públicos, espécie vedada pelos artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, que tratariam da usucapião constitucional urbana e rural, e que confeririam ao particular o ônus de provar que o bem usucapido seria privado; e c) desnecessidade de decreto judicial que declarasse a situação jurídica preexistente, exigível nas outras quatro modalidades de usucapião (ordinária, extraordinária, constitucional urbana e rural).ADI 3239/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.4.2012. (ADI-3239)
Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 5

Destacou a inconstitucionalidade da desapropriação prevista no diploma adversado. Aclarou que os remanescentes subsistiriam em terras públicas, devolutas, ou, se eventualmente em terras particulares, já as teriam, em razão do prazo, como usucapidas. Não caberia, portanto, excogitar desapropriação, instituto desnecessário no caso. Assentou que, não obstante, o decreto previra a desapropriação de imóveis privados que, além de não disciplinada em lei, nos termos da Constituição (art. 5º, XXIV), não se amoldaria às hipóteses previstas, de necessidade ou utilidade pública e de interesse social. Assinalou que aos terceiros interessados, prestes a serem destituídos de seus bens, sem lei específica, sequer fora garantido o devido processo legal, a provocar quadro de desestabilização social, que deveria ser contido nos limites constitucionais. Por fim, sublinhou que a legislação vigente seria demasiado onerosa e burocrática para os interessados em registrar seus títulos em cartório. Apontou que sequer as organizações que defenderiam os direitos dos quilombolas estariam satisfeitas com o atual estado das coisas e arrematou que a atuação do legislativo, como seria de rigor, teria trazido menos insatisfação e mais justiça em menos tempo. Em respeito ao princípio da segurança jurídica e aos cidadãos que, de boa fé, confiaram na legislação posta e percorreram longo caminho para obterem a titulação de suas terras, desde 1988, determinou fossem considerados bons, firmes e valiosos os títulos até aqui emitidos. Em seguida, pediu vista dos autos a Min. Rosa Weber.
ADI 3239/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.4.2012. (ADI-3239)

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