terça-feira, 3 de maio de 2011

Direito Processual Civil - Anteprojeto: como será o Novo CPC?

Aos que não tiveram tempo de ler, na íntegra, o texto do Anteprojeto de Lei do novo CPC, como proposto no Congresso Nacional, seguem abaixo os principais aspectos que seriam alterados, de acordo com a Exposição de Motivos e o texto do respectivo Anteprojeto.

O atual CPC é permeado de formalismos e tem um grande número de ações e recursos. E é isso que o Anteprojeto objetiva alterar. Objetiva-se uma Justiça mais rápida e mais efetiva, privilegiando a simplicidade da linguagem e da ação processual, a celeridade do processo, a efetividade do resultado da ação, enfim, um processo com maior grau de funcionalidade no sentido de realizar o direito material.

Da Exposição de Motivos do Anteprojeto que tramita no Congresso Nacional algumas ideias podem ser extraídas no sentido de dinamizar o Processo Civil brasileiro.

São objetivos básicos da reforma:
1) criar uma sintonia do processo civil com a Constituição da República;
2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa;
3) simplificar ações e recursos, reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal;
4) buscar, em todo processo (individualmente considerado) o maior grau de rendimento que as partes dele podem extrair;
5) imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.

Logo no início do texto proposto, há princípios processuais constitucionais, o que torna evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição da República. Exemplo: “DOS PRINCÍPIOS E DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL”. Há também regra expressa ditando que se o juiz que estiver diante de matéria de ordem pública não está dispensado de obedecer ao princípio do contraditório. Em homenagem ao princípio constitucional da publicidade, há regra segundo a qual à data de julgamento de todo recurso deve-se dar a devida publicidade. Nessa toada, não se esqueceu de expressar no texto o princípio da duração razoável do processo, que já figurava no texto constitucional.

Um dos maiores entraves à celeridade no modelo processual civil atual é a excessiva dispersão de jurisprudência, o que gera intranqüilidade social e descrédito do Poder Judiciário. Para corrigir essa dissonância – na tendência da repercussão geral, dos recursos repetitivos, sistema da força dos precedentes dos tribunais – foi criado o incidente de julgamento conjunto de demandas repetitivas. O objetivo é estimular uniformização e estabilização da jurisprudência, fazendo com que os Tribunais Superiores moldem o ordenamento, trazendo mais segurança jurídica ao jurisdicionado e aos próprios aplicadores do direito.

Exemplificando, no Anteprojeto, no Livro IV, consta o seguinte texto: “A jurisprudência do STF e dos Tribunais Superiores deve nortear as decisões de todos os Tribunais e Juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia”.

Evidentemente, podem ocorrer mudanças de entendimentos sedimentados, as quais, contudo, exigirão fundamentação adequada e específica, considerando o imperativo de estabilidade das relações jurídicas.

No mesmo sentido, com o objetivo de prestigiar a segurança jurídica, formulou-se o seguinte texto: “Na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do STF e dos Tribunais Superiores, ou oriunda de julgamentos de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”. Uma consequência prática desse princípio é a impossibilidade de rescisão de sentenças com trânsito em julgado com base em orientação jurisprudencial abandonada pelo tribunal.

Reduziu-se para um ano, como regra geral, o prazo decadencial para propositura de ação rescisória.

Criou-se o incidente de resolução de demandas repetitivas, admissível quando identificada controvérsia com potencial de gerar multiplicação expressiva de demandas e o correlato risco da coexistência de decisões conflitantes. É instaurado perante o Tribunal local, por iniciativa do juiz, do MP, das partes, da Defensoria Pública ou pelo próprio Relator. Admite-se intervenção de amicus curiae e deve ser julgado no prazo de seis meses. O recurso especial e o recurso extraordinário, eventualmente interpostos da decisão do incidente, têm efeito suspensivo e se considera presumida a repercussão geral.

O cabimento de embargos de divergência agora se baseia exclusivamente na existência de  teses contrapostas, pouco importando a forma pela qual o caso tenha chegado ao STF ou ao STJ. Leia-se, são possíveis confronto teses contidas em recursos e ações, sejam as decisões de mérito ou relativas ao juízo de admissibilidade. É mais um instrumento de uniformização de jurisprudência dos Tribunais.

Numa tentativa de desafogar o Judiciário, as partes poderão colocar fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação. Em regra, deve ocorrer uma audiência antes da apresentação da contestação, na qual às partes será oportunizado um acordo. Nessa audiência, podem se fazer presentes conciliador e mediador, além da obrigatória presença do requerido, sob pena de sua ausência injustificada ser considerada ato atentatório à dignidade da justiça.

O instituto do amicus curiae foi expressamente abordado. A intervenção pode ser pleiteada pelo amicus curiae ou solicitada de ofício, uma vez presentes os requisitos legais.

Com a nova redação, há permissão para que os Tribunais Superiores apreciem o mérito de alguns recursos que veiculam questões relevantes, cuja solução é necessária para o aprimoramento do Direito, ainda que não estejam preenchidos requisitos de admissibilidade considerados menos importantes. A regra vai ao encontro do princípio da instrumentalidade das formas e da Teoria Circular das relações entre direito material e processo (de Carnelutti).

A recovenção foi extinta. Contudo, há previsão para que o requerido formule pedido independentemente do expediente. Agora, alega-se em preliminar de contestação a incorreção do valor da causa e a indevida concessão do benefício da justiça gratuita, bem como as duas espécies de incompetência, desaparecendo também todos esses incidentes. Também foram extintas a ação declaratória incidental, a ação declaratória incidental de falsidade de documento e o incidente de exibição de documentos. As formas de intervenção de terceiro foram modificadas e parcialmente fundidas: criou-se um só instituto, o “chamamento”, que abrange as hipóteses de denunciação da lide e de chamamento ao processo.

Muitos procedimentos especiais foram extintos. Ficam mantidos a ação de consignação em pagamento, a ação de prestação de contas, a ação de divisão e demarcação de terras particulares, inventário e partilha, embargos de terceiro, habilitação, restauração de autos, homologação de penhor legal e ações possessórias.

Extinguiram-se também as ações cautelares nominadas. Basta à parte demonstrar o fumus boni iuris e do perigo de ineficácia da prestação jurisdicional para que a providência pleiteada deva ser deferida.

Percebe-se que a intenção legislativa é de, realmente, simplificar o Código.

Há previsão expressa da tutela sumária, que visa a proteger o direito evidente, independentemente de periculum in mora.

É possível conceder tutela de urgência e tutela à evidência. A resposta do Poder Judiciário deve ser rápida não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do processo e do eventual perecimento do próprio direito. Também em hipóteses em que as alegações da parte se revelam de juridicidade ostensiva deve a tutela ser antecipadamente (total ou parcialmente) concedida, independentemente de periculum in mora, por não haver razão relevante para a espera, até porque, via de regra, a demora do processo gera agravamento do dano. Ambas essas espécies de tutela vêm disciplinadas na Parte Geral, tendo também desaparecido o livro das Ações Cautelares. A tutela de urgência e da evidência podem ser requeridas antes ou no curso do procedimento em que se pleiteia a providência principal. Não tendo havido resistência à liminar concedida, o juiz, depois da efetivação da medida, extinguirá o processo, conservando-se a eficácia da medida concedida, sem que a situação fique protegida pela coisa julgada. Impugnada a medida, o pedido principal deve ser apresentado nos mesmos autos em que tiver sido formulado o pedido de urgência.

Além de a incompetência absoluta e relativa poderem ser levantadas pelo réu em preliminar de contestação (o que também significa uma maior simplificação do sistema), a incompetência absoluta deixa de ser, no texto do Anteprojeto, hipótese de cabimento de ação rescisória.

Cria-se a faculdade de o advogado promover, pelo correio, a intimação do advogado da outra parte.

As testemunhas devem comparecer espontaneamente, sendo que, apenas excepcionalmente, serão intimadas por carta com aviso de recebimento.

A extinção do procedimento especial “ação de usucapião” levou à criação do procedimento edital, como forma de comunicação dos atos processuais, por meio do qual, em ações deste tipo, devem-se provocar todos os interessados a intervir, se houver interesse.

O prazo para todos os recursos, com exceção dos embargos de declaração, foi uniformizado: quinze dias. O recurso de apelação continua sendo interposto no primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe sido, todavia, retirado o juízo de admissibilidade, que é exercido apenas no segundo grau de jurisdição (suprimiu-se um foco recursal).

Na execução, eliminou-se a distinção entre praça e leilão, assim como a necessidade de duas hastas públicas. Desde a primeira, pode o bem ser alienado por valor inferior ao da avaliação, desde que não se trate de preço vil.

Desapareceram os embargos à arrematação, tornando-se a ação anulatória o único meio de que o interessado pode valer-se para impugná-la.

Da mesma forma, não há mais o agravo retido, prevalecendo o regime das preclusões.  Todas as decisões anteriores à sentença podem ser impugnadas na apelação.

O agravo de instrumento ficou mantido para as hipóteses de concessão (ou não) de tutela de urgência; para as interlocutórias de mérito, para as interlocutórias proferidas na execução (e no cumprimento de sentença) e para todos os demais casos a respeito dos quais houver previsão legal expressa.

Tornou-se possível sustentação oral em agravo de instrumento de decisão de mérito, procurando-se, com isso, alcançar resultado do processo mais rente à realidade dos fatos.

Uma das grandes alterações havidas no sistema recursal foi a supressão dos embargos infringentes. Nos recursos, o relator terá o dever de declarar o voto vencido, sendo este considerado como parte integrante do acórdão, inclusive para fins de prequestionamento.

O Anteprojeto contém regra expressa, que leva ao aproveitamento do processo, de forma plena, devendo ser decididas todas as razões que podem levar ao provimento ou ao improvimento do recurso. Sendo, por exemplo, o recurso extraordinário provido para acolher uma causa de pedir, ou a) examinam-se todas as outras, ou, b) remetem-se os autos para o Tribunal de segundo grau, para que decida as demais, ou, c) remetem-se os autos para o primeiro grau, caso haja necessidade de produção de provas, para a decisão das demais; e, pode-se também, d) remeter os autos ao STJ, caso as causas de pedir restantes constituam-se em questões de direito federal.

Para simplificar e obter um maior rendimento no curso do processo, criou-se a regra de que não há mais extinção do processo por decisão de inadmissão de recurso, caso o tribunal destinatário entenda que a competência seria de outro tribunal. Isso vale para todas as instâncias, inclusive no plano de STJ e STF, é possível a remessa dos autos ao tribunal competente.

Há dispositivo expresso determinando que, se os embargos de declaração são interpostos com o objetivo de prequestionar a matéria objeto do recurso principal, e não são admitidos, considera-se o prequestionamento como havido, salvo, é claro, se se tratar de recurso que pretenda a inclusão, no acórdão, da descrição de fatos.

A possibilidade jurídica do pedido deixou de ser condição da ação. A sentença que, à luz da lei revogada seria de carência da ação, à luz do novo CPC é de improcedência e resolve definitivamente a controvérsia.

Criaram-se mecanismos para que, sendo a ação proposta com base em várias causas de pedir e sendo só uma levada em conta na decisão do primeiro e do segundo grau, repetindo-se as decisões de procedência, caso o tribunal superior inverta a situação, retorne o processo ao segundo grau, para que as demais sejam apreciadas, até que, afinal, sejam todas decididas e seja, efetivamente, posto fim à controvérsia. O mesmo ocorre se se tratar de ação julgada improcedente em primeiro e em segundo grau, como resultado de acolhimento de uma razão de defesa, quando haja mais de uma.

As partes poderão, até a sentença, modificar pedido e causa de pedir, desde que não haja ofensa ao contraditório. De cada processo, por esse método, se obtém tudo o que seja possível. Na mesma linha, tem o juiz o poder de adaptar o procedimento às peculiaridades da causa.

Organicidade do novo CPC:
-      Parte Geral: nesse Livro I, são mencionados princípios constitucionais de especial importância para todo o processo civil, bem como regras gerais, que dizem respeito a todos os demais Livros. A Parte Geral desempenha o papel de chamar para si a solução de questões difíceis relativas às demais partes do Código, já que contém regras e princípios gerais a respeito do funcionamento do sistema. O conteúdo da Parte Geral (Livro I) consiste no seguinte: princípios e garantias fundamentais do processo civil; aplicabilidade das normas processuais; limites da jurisdição brasileira; competência interna; normas de cooperação internacional e nacional; partes; litisconsórcio; procuradores; juiz e auxiliares da justiça; Ministério Público; atos processuais; provas; tutela de urgência e tutela da evidência; formação, suspensão e extinção do processo;
-      O Livro II, diz respeito ao processo de conhecimento, incluindo cumprimento de sentença e procedimentos especiais, contenciosos ou não;
-      O Livro III trata do processo de execução; O Livro IV disciplina os processos nos Tribunais e os meios de impugnação das decisões judiciais;
-      Por fim, há as disposições finais e transitórias.

O objetivo de organizar internamente as regras e harmonizá-las entre si foi o que inspirou, por exemplo, a reunião das hipóteses em que os Tribunais ou juízes podem voltar atrás, mesmo depois de terem proferido decisão de mérito: havendo embargos de declaração, erro material, sendo proferida decisão pelo STF ou pelo STJ com base nos artigos 543-B e 543-C do Código anterior.

Organizaram-se em dois dispositivos as causas que levam à extinção do processo, por indeferimento da inicial, sem ou com julgamento de mérito, incluindo-se neste grupo o que constava do art. 285-A do Código anterior.

Unificou-se o critério relativo ao fenômeno que gera a prevenção: o despacho que ordena a citação. A ação, por seu turno, considera-se proposta assim que protocolada a inicial.

Tendo desaparecido o Livro do Processo Cautelar e as cautelares em espécie, acabaram sobrando medidas que, em consonância com parte expressiva da doutrina brasileira, embora estivessem formalmente inseridas no Livro III, de cautelares, nada tinham. Foram, então, reposicionadas, junto aos procedimentos especiais.

Criou-se um livro novo, a que já se fez menção, para os processos nos Tribunais, que abrange os meios de impugnação às decisões judiciais – recursos e ações impugnativas autônomas – e institutos como, por exemplo, a homologação de sentença estrangeira.

Fixou-se diferenças entre o cabimento de ação rescisória e de ação anulatória, evitando-se confusões.

Disciplinou-se o litisconsórcio, separando-se, com a nitidez possível, o necessário do unitário.

Inverteram-se os termos sucessão e substituição, acolhendo-se crítica antiga e correta da doutrina.

Nos momentos adequados, utilizou-se a expressão convenção de arbitragem, que abrange a cláusula arbitral e o compromisso arbitral.

Enfim, o legislador buscou melhorar a sistemática do processo civil brasileiro. Aguardemos o texto final, contribuamos para a reforma, a qual, diga-se, está em andamento e imprescinde da contribuição de todos nós, operadores e aplicadores do direito. Posteriormente, aguardemos as críticas doutrinárias e a jurisprudência que se formará sobre o novo texto legal, se aprovado.

Bibliografia: Código de Processo Civil : anteprojeto / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. – Brasília : Senado Federal, Presidência, 2010. p. 381

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