quinta-feira, 5 de maio de 2011

Lei de Drogas (11.343/2006) - STF - Divergência - Quantidade de drogas e momento adequado para análise dessa circunstância

Em notícia divulgada no dia 22/03/2011, no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus nº 106.135, afetado à Segunda Turma, os Ministros, por unanimidade, afastaram a quantidade de droga como fator de impedimento de redução de pena (art. 33, §4º, Lei 11.343/2006). Vejamos:

  • A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu parcialmente pedido da Defensoria Pública da União e determinou ao juízo de primeiro grau que proceda a nova individualização da pena de dois homens presos por tráfico de entorpecentes. Condenados à pena de cinco anos e seis meses de reclusão, os dois vêm tentando reduzi-la em dois terços, patamar máximo previsto no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), mas em todas as instâncias a pretensão foi rejeitada com base na quantidade da droga apreendida: 98 pedras de crack. O relator do HC 106135, ministro Gilmar Mendes, assinalou que a quantidade de droga deve ser sopesada na primeira fase da individualização da pena, e é impróprio invocá-la por ocasião da escolha do fator de redução prevista na Lei de Drogas, sob pena de “bis in idem” – duas penas sobre um mesmo fato gerador. O parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de Drogas admite a redução da pena de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Os autos registram que os dois apenados preenchem esses requisitos, pois, de acordo com a sentença, além de serem primários e terem bons antecedentes, havia “indícios de que se tratam de usuários que comercializam a droga para manter o próprio vício”, circunstâncias extrapenais consideradas favoráveis aos réus. Apesar disso, o juiz de primeiro grau aplicou a redução em patamar intermediário, e não máximo. Esse entendimento foi mantido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo o STJ, “na fundamentação de primeiro grau já se percebe que os pacientes merecem a redução máxima”. Mas, por considerar “significativa” a quantidade de entorpecente apreendida, o Tribunal denegou a ordem. Para a Defensoria Pública, o STJ teria contrariado sua própria jurisprudência, segundo a qual a redução da pena, uma vez preenchidos os requisitos legais, deve ser aplicada sem levar em consideração a quantidade de droga apreendida. Ao não fazê-lo, teria imposto condições “mais gravosas, e não constantes em lei”, para a não fixação da diminuição no máximo previsto. O ministro Gilmar Mendes acolheu a argumentação da defesa, e seu voto foi no sentido de determinar nova individualização da pena, na medida em que a causa da redução não foi devidamente fundamentada. “O magistrado não deve utilizar a quantidade de droga apreendida para efeitos de motivar a redução a menor”, afirmou. A decisão foi unânime.
Ocorre que, em 26/04/2011, pouco mais de um mês depois, vem a Primeira Turma do Supremo e profere julgamento em sentido contrário. Entendeu o Órgão que não importa bis in idem valer-se o julgador da quantidade de substância entorpecente portada pelo agente para graduar a causa de diminuição de pena (art. 33, §4º, Lei 11.340/2006), mesmo se tal circunstância já foi considerada quando da fixação da pena-base. Vejamos:

  • Informativo 624, STF – Primeira Turma - Dosimetria e quantidade de droga apreendida - A 1ª Turma indeferiu habeas corpus no qual pretendida a aplicação, em patamar máximo, da causa especial de diminuição de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 (“Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”), em face de a quantidade de droga já ter sido contemplada pelo juiz ao fixar a pena-base com fulcro no art. 42 do mesmo diploma legal (“O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente”). Concluiu-se que, embora já considerada a quantidade de substância entorpecente na fixação da pena- base, seria legítimo esse critério para graduar a causa de diminuição. HC 104195/MS, rel. Min. Luiz Fux, 26.4.2011. (HC-104195)
Correto o entendimento da Segunda Turma do STF, pois o contrário vai de encontro a princípios básicos do Direito Penal, ao mesmo tempo que impor ao agente do fato uma mesma circunstância fática, por duas vezes, em seu desfavor, importa em bis in idem. Esse, inclusive, é o entendimento da Primeira Turma do STF:

EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES DE ROUBO. REINCIDÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS E CAUSA AGRAVANTE GENÉRICA OBRIGATÓRIA. BIS IN IDEM NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. I - As circunstâncias judiciais são colhidas dos elementos fáticos trazidos pelo processo para a fixação da pena-base, sobre a qual são aplicadas as agravantes e atenuantes e, após, as causas de aumento e diminuição. II - O aumento da pena, em função da reincidência, expressamente prevista no art. 61, I, do Código Penal, não constitui bis in idem quando não utilizada como circunstância judicial para a fixação da pena-base. III - Ordem denegada. (HC 94846, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 07/10/2008, DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-04 PP-00678).

Enfim, se o julgador considerou uma circunstância em determinado momento da aplicação da pena, essa circunstância não pode ser sopesada novamente em desfavor do agente, sendo a pena, ao final, aumentada (ou não diminuída). É o que ditam os princípios do devido processo legal, da individualização da pena, da legalidade e da culpabilidade.


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