quarta-feira, 1 de junho de 2011

Direito Administrativo: Sociedade de Economia Mista e Regime de Precatórios

Informativo 607, STF – Repercussão Geral
Sociedades de economia mista e regime de precatórios - 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute se o regime de precatórios se aplica, ou não, a sociedades de economia mista. Trata-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto pelas Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A - ELETRONORTE contra acórdão que reputara não se aplicar o regime de execução dos precatórios às sociedades de economia mista, por possuírem elas personalidade jurídica de direito privado e por não se confundir o regime de execução com a impossibilidade de penhora de bens que comprometam o fornecimento do serviço público. O Min. Ayres Britto, relator, deu provimento ao recurso. Entendeu que, se as atividades genuinamente estatais são protegidas com o regime especial do precatório, este deveria ser estendido às empresas que prestam serviços públicos essenciais, não importando a natureza jurídica delas, mas atividade estatal em si, titularizada pelo Estado, ponto avançado do constitucionalismo social. Ao fazer remissão aos fundamentos de seu voto no julgamento da AC 1947/DF e da AC 669/SP (DJU de 26.5.2006) e definir a natureza jurídica do precatório, afirmou que a razão de ser do regime especial de execução de dívidas seria a de responder à necessidade maior de impedir o risco de uma súbita paralisia nas atividades de senhorio estatal (de domínio ou titularidade estatal), das quais dependeriam a qualidade de vida e, até mesmo, a sobrevivência física da população, atividades marcadas, por isso, pelo signo da irrestrita continuidade. RE 599628/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.11.2010. (RE-599628)

Sociedades de economia mista e regime de precatórios - 2
Em seguida, o Min. Ayres Britto observou que, no caso dos autos, tratar-se-ia de prestadora de serviço público essencial que geraria e forneceria energia elétrica para 9 Estados da região Norte, e que, apenas por modo formal, se revestiria de sociedade de economia mista, tendo em vista que somente 0,77% do respectivo capital não pertenceria ao setor público. Enfatizou que o art. 175 da CF abriria uma importante dicotomia, qual seja, setor público versus setor privado. Esclareceu que, quando o Estado presta o serviço público, por órgão da Administração Direta, por entidade da Administração Indireta, ou recorrendo às suas empresas, ele mesmo é que se faria presente, seria o setor público. Assim, o advérbio “diretamente”, constante desse dispositivo (“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”), significaria que o Estado prestaria o serviço por si mesmo, ou seja, sem recorrer ao setor privado. Logo, a prestação de serviço por meio de empresa pública e sociedade de economia mista seria prestação do serviço público pelo Estado mesmo, pelo setor público diretamente. Por outro lado, disse que, quando o Estado entrega a prestação de serviço público a empresa privada, fazendo-o mediante concessão ou permissão, a atividade continuaria pública, porém prestada pelo setor privado. Frisou que, ao propor a extensão da expressão Fazenda Pública para as empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviço público, isto é, que não exploram atividade econômica, nada mais estaria fazendo que dizer que tal expressão seria sinônima de setor público. Portanto, ela não alcançaria somente as clássicas atividades liberais do Estado, mas também os serviços públicos, notadamente os chamados essenciais, parte do constitucionalismo social, e que, por isso, não poderiam sofrer descontinuidade, o que eventualmente ocorreria se ao setor público, seu prestador, não fosse aplicado o regime especial de execução. RE 599628/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.11.2010. (RE-599628)

Sociedades de economia mista e regime de precatórios - 3
Por fim, reputou inconsistente o argumento de que o regime de precatórios não poderia ser estendido às empresas públicas e sociedades de economia mista por não disporem elas de orçamento público. Frisou que, à luz do § 5º do art. 165 da CF (“§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá: I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.”), a realidade financeira de todas as empresas estatais seria apanhada pela lei orçamentária da União. Explicou que, na prática, os orçamentos das empresas estatais ora fariam parte diretamente do orçamento fiscal da lei orçamentária, ora seriam aprovadas por decreto do Poder Executivo, isso de acordo com a classificação da empresa como dependente, ou não, do regular aporte de recursos financeiros da União. Registrou que a sistemática legal de pagamentos de débitos judiciais pelas empresas estatais dependentes seria praticamente idêntica ao mecanismo do precatório, ou seja, esses débitos seriam pagos por dotações constantes do orçamento fiscal da União, assim como o seriam aqueles formalizados em precatórios ou em requisições de pequeno valor. No que se refere às estatais não dependentes, expôs que seus orçamentos seriam aprovados por Decreto presidencial, nos termos do art. 107 da Lei 4.320/64, os quais seriam consolidados e acompanhados pelo Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais - DEST. Essa consolidação de informações econômico-financeiras das empresas estatais, dispostas de modo sistematizado, seria denominada Programa de Dispêndios Globais - PDG, instrumento de planejamento paralelo ao orçamento de investimentos, previsto no inciso II do § 5º do art. 165 da CF. A execução do PDG de cada estatal não dependente seria supervisionada pelo Ministério federal a que ela se vincula, que, no caso da ELETRONORTE, seria o Ministério das Minas e Energia. Concluiu, portanto, que haveria sim um orçamento a governar as estatais, previsto em lei e regulado por ato normativo do Poder Executivo, que se vincularia ao orçamento público geral, seja por sua relevância para a definição do chamado orçamento de investimento, por sua importância para a geração de resultados econômicos da própria União, e, ainda, pela indispensabilidade de controle da gestão dos bens e recursos públicos sob responsabilidade dessas empresas. Mencionou, por fim, a previsão expressa de precatórios para a Administração Pública Indireta, sem qualquer limitação a autarquias ou fundações, feita pela EC 62/2009, ao acrescentar o art. 97 ao ADCT. Após, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa. RE 599628/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.11.2010. (RE-599628)

Informativo 611, STF – Plenário
Sociedades de economia mista e regime de precatórios - 4
O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute se o regime de precatórios se aplica, ou não, a sociedades de economia mista. Trata-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto pelas Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A - ELETRONORTE contra acórdão que reputara não se aplicar o regime de execução dos precatórios às sociedades de economia mista, por possuírem elas personalidade jurídica de direito privado e por não se confundir o regime de execução com a impossibilidade de penhora de bens que comprometam o fornecimento do serviço público — v. Informativo 607. Em voto-vista, o Min. Joaquim Barbosa inaugurou divergência e desproveu o recurso. Inicialmente, realçou que seria preponderante para a resolução da controvérsia a circunstância de o modelo de geração e fornecimento de energia admitir a livre iniciativa e a concorrência. Em passo seguinte, aduziu que o atual modelo do setor elétrico permitiria o financiamento tanto por recursos públicos quanto privados e que nesse setor conviveriam os mercados livre e regulado (ACL e ACR, respectivamente), bem como consumidores livres e cativos (Lei 9.074/95, artigos 15, 16 e 26, § 5º e Decreto 5.163/2004, artigos 1º, § 2º, X e XI e 48). Salientou que a competição entre geradores de energia elétrica no Ambiente de Comercialização Livre (ACL) seria percebida com mais facilidade, pois os consumidores que teriam acesso a tal mercado possuiriam margem maior para escolha e negociação. Enfatizou, por outro lado, que, apesar de existir concorrência no Ambiente de Comercialização Regulado (ACR), esta seria em menor grau; que objetivando alcançar modicidade tarifária, a energia elétrica excedente seria comercializada às distribuidoras por meio de leilões e que o acesso ao ACR ocorreria por licitação. Lembrou, ainda, que as indústrias detentoras de unidades próprias de geração de energia poderiam comercializar a produção excedente, ainda que este tipo de operação não fizesse parte de seu objetivo social preponderante (auto-geradoras). RE 599628/DF, rel. Min. Ayres Britto, 1º.12.2010.  (RE-599628)

Sociedades de economia mista e regime de precatórios - 5
Para o deslinde da matéria, apontou que interessariam os serviços públicos, quais sejam, as produtoras independentes de energia e as auto-produtoras de energia com autorização para comercializar o excedente gerado. Afirmou que as primeiras seriam as pessoas jurídicas ou empresas reunidas em consórcio que receberiam concessão ou autorização para produzir energia elétrica destinada ao comércio de toda ou parte da energia produzida por sua conta e risco. Já as segundas seriam as pessoas físicas ou jurídicas ou empresas reunidas em consórcio que receberiam concessão ou autorização para produzir energia elétrica destinada ao seu uso exclusivo. Salientou que as auto-produtoras de energia poderiam ter autorização específica para comercializar o excedente gerado. Acrescentou que o fornecimento de energia elétrica, na modalidade de serviço público, submeter-se-ia a um regime altamente regulamentado, universal e no qual não poderia haver descontinuidade. Concluiu que a extensão à sociedade de economia mista, de prerrogativa constitucional inerente ao Estado, teria o potencial para desequilibrar artificialmente as condições de concorrência, em prejuízo das pessoas jurídicas e dos grupos por elas formados alheios a qualquer participação societária estatal. RE 599628/DF, rel. Min. Ayres Britto, 1º.12.2010.  (RE-599628)

Sociedades de economia mista e regime de precatórios - 6
Asseverou ser incontroverso que o objetivo principal da recorrente, sociedade de economia mista, seria a exploração lucrativa em benefício de seus acionistas — de entidades públicas ou privadas. Expôs, nesse sentido, que o Estado, ao perseguir o lucro como fim primordial, deveria despir-se das garantias soberanas necessárias à proteção do regime democrático, do sistema republicano e do pacto federativo, pois tais salvaguardas seriam incompatíveis com a livre iniciativa e com o equilíbrio concorrencial. Explicitou que o direito de buscar o lucro teria como perspectiva o particular, e não o Estado. Ponderou que, se a relevância da atividade fosse suficiente para reconhecimento de tais garantias, atividades como os serviços de saúde, a extração, o refino e a distribuição de petróleo, a indústria petroquímica, as empresas farmacêuticas e as entidades de educação também seriam beneficiárias de tais prerrogativas, bastando que o Poder Público se aliasse ao corpo societário do empreendimento privado. Mencionou que a controladora da recorrente possuiria ações livremente negociadas em bolsas de valores. Ademais, assinalou que a ELETRONORTE não exploraria o potencial energético das fontes nacionais independentemente de qualquer contraprestação, mas o faria, licitamente, para obter lucro, não ocupando, portanto, o lugar do Estado. Após os votos dos Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que acompanhavam o relator, e do voto da Min. Cármen Lúcia, que seguia a divergência, pediu vista dos autos a Min. Ellen Gracie. RE 599628/DF, rel. Min. Ayres Britto, 1º.12.2010.  (RE-599628)

Informativo 628, STF – Repercussão Geral
Sociedades de economia mista e regime de precatórios - 7
O regime de execução por precatórios não se aplica às Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A – Eletronorte. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, desproveu recurso extraordinário em que discutido se o regime de precatórios aplicar-se-ia, ou não, a sociedades de economia mista — v. Informativos 607 e 611. Prevaleceu o voto proferido pelo Min. Joaquim Barbosa. Inicialmente, realçou que seria preponderante para a resolução da controvérsia a circunstância de o modelo de geração e fornecimento de energia admitir a livre iniciativa e a concorrência. Apontou que interessariam os serviços públicos, quais sejam, as produtoras independentes de energia e as auto-produtoras de energia com autorização para comercializar o excedente gerado. Concluiu que a extensão à sociedade de economia mista, de prerrogativa constitucional inerente ao Estado, teria o potencial para desequilibrar artificialmente as condições de concorrência, em prejuízo das pessoas jurídicas e dos grupos por elas formados alheios a qualquer participação societária estatal. Asseverou ser incontroverso que o objetivo principal da recorrente, sociedade de economia mista, seria a exploração lucrativa em benefício de seus acionistas, entidades públicas ou privadas. Explicitou que o direito de buscar o lucro teria como perspectiva o particular, e não o Estado. Ponderou que, se a relevância da atividade fosse suficiente para reconhecimento dessas garantias, atividades como os serviços de saúde, a extração, o refino e a distribuição de petróleo, a indústria petroquímica, as empresas farmacêuticas e as entidades de educação também seriam beneficiárias dessas prerrogativas, bastando que o Poder Público se aliasse ao corpo societário do empreendimento privado. Mencionou que a controladora da recorrente possuiria ações livremente negociadas em bolsas de valores. Ademais, assinalou que a Eletronorte não exploraria o potencial energético das fontes nacionais independentemente de qualquer contraprestação, mas o faria, licitamente, para obter lucro, não ocupando, portanto, o lugar do Estado. Vencidos os Ministros Ayres Britto, relator, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que proviam o recurso. RE 599628/DF, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa 25.5.2011. (RE-599628).

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