sexta-feira, 13 de abril de 2012

ADPF 54 - STF - Antecipação de parto - Feto Anencéfalo - VII

Ministro Cezar Peluso acompanha a divergência e julga improcedente a ADPF 54

Último a votar, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, manifestou-se pela total improcedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, que discute a possibilidade de interrupção da gestação de fetos anencéfalos. O ministro frisou a “diferença abissal” entre este caso e a discussão sobre o uso de células tronco embrionárias em pesquisas. De acordo com ministro, no caso dos embriões não havia processo vital – ao contrário do feto anencéfalo, o qual, em seu entendimento, é portador de vida e, portanto, tem de ter seus direitos tutelados.

“O anencéfalo morre, e ele só pode morrer porque está vivo”, assinalou. O ministro lembrou, ainda, que a questão dos anencéfalos tem de ser tratada com “cautela redobrada”, diante da imprecisão do conceito, das dificuldades do diagnóstico e dos dissensos em torno da matéria.

Do ponto de vista jurídico, o presidente do STF afirmou que, para que o aborto possa ser considerado crime, basta a eliminação da vida, “abstraída toda especulação quanto à sua viabilidade futura ou extrauterina”. Nesse sentido, o aborto do feto anencéfalo é “conduta vedada de forma frontal pela ordem jurídica”. O princípio da legalidade e a cláusula geral da liberdade “são limitados pela existência das leis”, e, nos casos tipificados como crime, não há, a seu ver, espaço de liberdade jurídica.

Os apelos para a liberdade e autonomia pessoais são “de todo inócuos” e “atentam contra a própria ideia de um mundo diverso e plural”. A discriminação que reduz o feto “à condição de lixo”, a seu ver, “em nada difere do racismo, do sexismo e do especismo”. Todos esses casos retratam, de acordo com o voto, “a absurda defesa e absolvição da superioridade de alguns sobre outros”.

Competência do Legislativo

Ao encerrar seu voto, o presidente do STF ressaltou ainda que não cabe ao STF atuar como legislador positivo, e que o Legislativo não incluiu o caso dos anencéfalos nas hipóteses que, no artigo 124 do Código Penal, autorizam o aborto. “Se o Congresso não o fez, parece legítimo que setores da sociedade lhe demandem atualização legislativa, mediante atos lícitos de pressão”, afirmou. “Não temos legitimidade para criar, judicialmente, esta hipótese legal. A ADPF não pode ser transformada em panaceia que franqueie ao STF a prerrogativa de resolver todas as questões cruciais da vida nacional”.

Para o ministro Peluso, a ADPF ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde representa “uma tentativa de contornar a má vontade” do Legislativo em regulamentar a questão. “É o Congresso Nacional que não quer assumir essa responsabilidade, e tem motivos para fazê-lo”, concluiu.


Decano vota pela descriminalização da interrupção de gravidez de feto anencefálico

Oitavo ministro a se pronunciar pela possibilidade da interrupção, por desejo da mãe, do parto em caso de gestação de feto anencefálico, o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, ajuizada na Corte pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).

Julgo integralmente procedente a ação, para confirmar o pleno direito da mulher gestante de interromper a gravidez de feto comprovadamente portador de anencefalia, dando interpretação conforme a Constituição Federal aos artigos 124, 126, cabeça, e 128, incisos I e II, todos do Código Penal, para que, sem redução de texto, seja declarada a inconstitucionalidade, com eficácia erga omnes (para todos) e efeito vinculante, de qualquer outra interpretação que obste a realização voluntária de antecipação terapêutica de parto de feto anencefálico”.

Ele condicionou, entretanto, esta interrupção da gravidez a que “esta malformação fetal seja diagnostica e comprovadamente identificada por profissional médico legalmente habilitado”, reconhecendo à gestante “o direito de submeter-se a tal procedimento, sem necessidade de prévia obtenção de autorização judicial ou permissão outorgada por qualquer outro órgão do Estado”, afirmou o ministro, ao concluir seu voto.

Em seu voto, ele endossou proposta do ministro Gilmar Mendes no sentido de que seja solicitada ao Ministério da Saúde e ao Conselho Federal de Medicina a adoção de medidas que possam viabilizar a adoção desse procedimento.

Direito da mulher

Após lembrar que a Suprema Corte julga o caso imparcialmente, ancorada na própria Constituição Federal (CF), nos tratados internacionais sobre direitos humanos, particularmente da mulher, de que o Brasil é signatário, bem como na legislação ordinária do país, o ministro disse que a Corte não estava impondo nada, mas reconhecendo pleno direito à mulher de escolher o caminho a seguir, em casos de anencefalia, inclusive o de conduzir a gravidez até o fim.

“O STF, no estágio em que já se acha este julgamento, está a reconhecer que a mulher, apoiada em razões fundadas nos seus direitos reprodutivos e protegida pela eficácia incontrastável dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação pessoal e da intimidade, tem o direito insuprimível de optar pela antecipação terapêutica de parto nos casos de comprovada malformação fetal por anencefalia; ou então, legitimada por razões que decorrem de sua autonomia privada, o direito de manifestar sua liberdade individual, em clima da absoluta liberdade, pelo prosseguimento natural do processo fisiológico de gestação”, observou ele.

Importância

Ao iniciar seu voto, o ministro Celso de Mello disse que, em quase 44 anos de atuação na área jurídica, nunca participou de um julgamento de tamanha magnitude, envolvendo o alcance da vida e da morte. Posteriormente, ele considerou este julgamento e o da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510 (pesquisa com células tronco embrionárias), relatada pelo ministro Ayres Britto, dos “mais importantes julgamentos que o Supremo Tribunal Federal já realizou, em toda a histórica republicana”.

Aborto

Nós não estamos autorizando práticas abortivas, legitimando a prática do aborto”, disse o ministro, observando que “esta é outra questão que poderá ser submetida à apreciação desta Corte, em outro momento, mas não é o caso”. Ele fez questão de afirmar que há uma grande diferença entre legalização do aborto e a antecipação terapêutica do parto em caso de anencefalia.

Em seu voto, ele lembrou que há diversos conceitos de vida, sobre seu início e fim, e que a Constituição não define quando ela se inicia. Lembrou, inclusive, que na Assembleia Nacional Constituinte foram apresentadas diversas emendas definindo o início da vida humana a partir do momento da concepção, mas elas foram todas rejeitadas.

Entretanto, o ministro Celso de Mello mencionou a palestra de um médico durante a audiência pública de 2008 que antecedeu o julgamento desta ADPF, segundo o qual o critério deve ser o mesmo previsto na Lei 9.434/97 (que trata da remoção de órgãos, partes e tecidos para fins de transplante) e na Resolução 1.752/97 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que consideram morto um ser humano quando cessa completamente sua atividade cerebral, ou seja, a morte encefálica. Por analogia, segundo ele, o feto anencéfalo não é um ser humano vivo, porque não tem cérebro e nunca vai desenvolver atividade cerebral.

Portanto, sequer haveria tipicidade de crime contra a vida na interrupção antecipada de tal parto. “Se não há vida a ser protegida, não há tipicidade”, sustentou.

Ainda em seu voto, o ministro citou depoimentos dados na audiência pública sobre o caso, por médicos especialistas, segundo os quais há um elevado índice de mortalidade das mulheres com gravidez de feto anencefálico, bem como de transtornos psiquiátricos.

www.stf.jus.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário