sábado, 7 de abril de 2012

Concurso Defensoria Pública/SP - 2010 - vaga em creche - reserva do possível x mínimo existencial

(FCC/DEFENSORIA PÚBLICA – SP/2010) Em uma cidade, diversas mães têm comparecido no atendimento inicial da Defensoria Pública para se queixarem de que não têm conseguido vaga em creche municipal para seus filhos. O Defensor Público deve

(A) orientar as mães a procurarem o serviço de assistência social do Município e elaborar os respectivos ofícios de encaminhamento.
(B) informar que é possível a propositura de ação civil pública, pois se trata de direito social de natureza difusa, e encaminhar as mães para o Ministério Público.
(C) informar que se trata de direito constitucional de natureza social, mas que infelizmente há normas na Constituição chamadas de programáticas, bem como entendimento jurídico chamado de “reserva do possível”, que não recomendam o ajuizamento de ação nesse caso.
(D) orientar as mães a se organizarem e a denunciarem o fato na Ouvidoria Municipal, bem como marcar audiência com o Prefeito e procurar ajuda junto aos Vereadores a fim de que possam interferir na formulação do orçamento municipal.
(E) ajuizar ação judicial com base no direito à educação que compreende o atendimento em creche e pré-escola, pois a “reserva do possível” não pode ser oponível à realização do “mínimo existencial”.

RESPOSTA: "E"

Considerações:

(A) Incorreta.
(B) Incorreta. A Defensoria pode propor ação civil pública, conforme artigo 5º, II, da Lei 7.347/85:
“Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação determinada na Lei nº 11.448, de 15.1.2007, DOU 16.1.2007)
(...)
II - a Defensoria Pública; (Inciso com redação determinada na Lei nº 11.448, de 15.1.2007, DOU 16.1.2007)”
(C) Incorreta.
(D) Incorreta.
(E) Correta. Dispõem o artigo 208, IV, e o caput do artigo 227 da Constituição Federal:
“Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
(...)
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Nova redação dada pela EC nº 53, de 2006)”
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Alterado pela EMENDA CONSTITUCIONAL Nº- 65 DE 13 DE JULHO DE 2010 – DOU DE 14/7/2010)”
Diz a jurisprudência que o direito à educação é prioritário:
“APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. ACESSO À EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO SOCIAL CONSTITUICIONALMENTE GARANTIDO. VAGA EM CRECHE MUNICIPAL. PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO MENOR. A educação é um direito social, previsto constitucionalmente, que deve ser assegurado com absoluta prioridade em relação às crianças e adolescentes, incumbindo ao Poder Público a responsabilidade de garantir seus ingressos nas escolas ou creches, independentemente das regras administrativas. (...) (TJRS; AC 70036273787; Caxias do Sul; Sétima Câmara Cível; Rel. Des. Jorge Luís Dall´Agnol; Julg. 23/06/2010; DJERS 12/07/2010)”
O Superior Tribunal de Justiça, no mesmo sentido do já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, entende que nesse caso não se pode opor o argumento da reserva do possível:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ALÍNEA "C" DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. NÃO-DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. DIREITO A CRECHE E A PRÉ-ESCOLA DE CRIANÇAS ATÉ SEIS ANOS DE IDADE. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ECA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL. LESÃO CONSUBSTANCIADA NA OFERTA INSUFICIENTE DE VAGAS. (...) 2. Na ordem jurídica brasileira, a educação não é uma garantia qualquer que esteja em pé de igualdade com outros direitos individuais ou sociais. Ao contrário, trata-se de absoluta prioridade, nos termos do art. 227 da Constituição de 1988. A violação do direito à educação de crianças e adolescentes mostra-se, em nosso sistema, tão grave e inadmissível como negar-lhes a vida e a saúde. 3. O Ministério Público é órgão responsável pela tutela dos interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos relativos à infância e à adolescência, na forma do art. 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. 4. Cabe ao Parquet ajuizar Ação Civil Pública com a finalidade de garantir o direito a creche e a pré-escola de crianças até seis anos de idade, conforme dispõe o art. 208 do ECA. 5. A Administração Pública deve propiciar o acesso e a freqüência em creche e pré-escola, assegurando que esse serviço seja prestado, com qualidade, por rede própria. 6. De acordo com o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF), garantia básica do Estado Democrático de Direito, a oferta insuficiente de vagas em creches para crianças de zero a seis anos faz surgir o direito de ação para todos aqueles que se encontrem nessas condições, diretamente ou por meio de sujeitos intermediários, como o Ministério Público e entidades da sociedade civil organizada. 7. No campo dos direitos individuais e sociais de absoluta prioridade, o juiz não deve se impressionar nem se sensibilizar com alegações de conveniência e oportunidade trazidas pelo administrador relapso. A ser diferente, estaria o Judiciário a fazer juízo de valor ou político em esfera na qual o legislador não lhe deixou outra possibilidade de decidir que não seja a de exigir o imediato e cabal cumprimento dos deveres, completamente vinculados, da Administração Pública. 8. Se um direito é qualificado pelo legislador como absoluta prioridade, deixa de integrar o universo de incidência da reserva do possível, já que a sua possibilidade é, preambular e obrigatoriamente, fixada pela Constituição ou pela Lei. 9. Se é certo que ao Judiciário recusa-se a possibilidade de substituir-se à Administração Pública, o que contaminaria ou derrubaria a separação mínima das funções do Estado moderno, também não é menos correto que, na nossa ordem jurídica, compete ao juiz interpretar e aplicar a delimitação constitucional e legal dos poderes e deveres do Administrador, exigindo, de um lado, cumprimento integral e tempestivo dos deveres vinculados e, quanto à esfera da chamada competência discricionária, respeito ao due process e às garantias formais dos atos e procedimentos que pratica. 10. Recurso Especial não provido. (STJ; REsp 440.502; Proc. 2002/0069996-6; SP; Segunda Turma; Rel. Min. Herman Benjamin; Julg. 15/12/2009; DJE 24/09/2010)”

Fonte: IJuris Pro

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